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Ponderar: “fazer o que quero”: imediatismo ou empreendedorismo? Quando é um, quando é o outro?
Bem-formada, nova geração chega mal-educada nas empresas, diz filósofo
03/08/2016
Em entrevista à BBC Brasil, o filósofo e escritor Mario Sergio Cortella explica como a combinação de uma crença no cenário imediatista, anos de bonança e pais protetores fez com que a "busca por propósito" dos jovens fosse muitas vezes incompatível com a realidade.
"No dia a dia, a pessoa se coloca como alguém que vai ter um grande legado, mas fica imaginando o legado como algo imediato", diz. Essa visão "idílica" (de delírio) transforma escritórios e salas de aula em palcos de confronto de gerações. "Parte da nova geração chega nas empresas mal-educada. Ela não chega mal-escolarizada, chega mal-educada. Não tem noção de hierarquia, de metas e prazos e acha que você é o pai dela."
Mario Sergio Cortella – Uma overdose de variáveis decorrentes da tecnologia gerou dificuldade de fazer escolhas. Isso produz angústia. Por que faço o que estou fazendo? Faço por que me mandam ou por que quero? Aquilo que os blogs e os youtubers estão fazendo é uma provocação: "seja você mesmo".
Uma parcela da nova geração tem uma perturbação muito forte em relação a não seguir uma rotina/rota. E não é uma recuperação do movimento hippie, que era a recusa à massificação e à destruição. É o que muitos falam de 'deixar a minha marca na trajetória'. Isso é pré-renascentista. Aquela ideia do herói, de você deixar a sua marca, que antes, na idade média, era pelo combate. O destaque agora é “não sofrer”. Não é uma lógica franciscana, o "vamos sofrer sem reclamar". É o contrário. “Não sofrer, se não for necessário”. Uma das coisas que penso é que não há possibilidade de se conseguir algumas coisas sem esforço e sofrimento. Mas uma das frases que mais ouço dos jovens, e que para mim é muito estranha, é: “quero fazer o que eu gosto” para não sofrer.
Isso é muito comum quando se pensa em carreira, mas está equivocado. Para fazer o que se gosta é necessário fazer várias coisas das quais não se gosta. Faz parte do processo. Não dá para ter essa visão hedonista (prazer como objetivo da vida), idílica, do puro prazer. Isso é ilusório e gera sofrimento.
A pessoa se coloca como alguém que vai ter um grande legado, mas fica imaginando o legado como algo imediato. Há uma perda da ideia de esforço na nova geração. E falo no geral, não só da classe média. Temos crianças e jovens com uma percepção imediatizada da satisfação das necessidades. Nas classes B e C há meninos de 20 anos que nunca lavaram uma louça.
BBC Brasil - Quais as consequências dessa visão idealizada?
Mario Sergio Cortella - Uma parte da nova geração perde uma visão histórica desse processo. É tudo 'já, ao mesmo tempo'. De nada adianta numa segunda castigar uma criança de cinco anos dizendo: sábado você não vai ao cinema. A noção de tempo exige maturidade (comparação com a segunda infância). Vejo na convivência que essa geração tem uma visão mais imediatista. Vou mochilar e daí chego, me hospedo, consigo, e uma parte disso é possível pelo modo que a tecnologia favorece, mas não se sustenta por muito tempo. Quando alguns colocam para si um objetivo que está muito abstrato, sofrem muito. Eu faço uma distinção sempre entre sonho e delírio. O sonho é um desejo factível. O delírio é um desejo que não tem factibilidade. Por que no campo do empreendedorismo existe um nível de fracasso muito forte? Porque se colocou mais o delírio do que a ideia de um sonho. O sonho é aquilo que você constrói como um lugar onde quer chegar e que exige etapas para chegar até lá, ferramentas, condições estruturais. O delírio enfeitiça.
Alguns pais e mães usam uma expressão que é "quero poupar meus filhos daquilo que eu passei". Sempre fico pensando: mas o que você passou? Você teve que lavar louça? Você está poupando ou está enfraquecendo? Há uma diferença. Tem coisas que não são obrigatórias, mas são necessárias. Parte das crianças hoje considera a tarefa escolar uma ofensa, pois exige esforço. Parte das famílias quer poupar e, em vez de poupar, enfraquece. Meu temor é de uma geração que, ao ser colocada nessa condição, esteja sendo fragilizada.
A atual geração de pais e mães que têm filhos na faixa dos dez, doze anos, é extremamente subordinada. Como há por parte dos pais uma ausência grande de convivência, no tempo de convivência eles querem agradar. Essa lógica faz com que, quando o jovem vai conviver com um adulto que sobre ele terá uma tarefa de subordinação, na escola ou trabalho, haja um choque. Parte da nova geração chega nas empresas mal-educada. Ela não chega mal-escolarizada, chega mal-educada. Não tem noção de hierarquia, de metas e prazos e acha que você é o pai dela. Obviamente que ela também chega com uma condição magnífica, que é percepção digital, um preparo maior em relação à tecnologia.
A juventude que não pode largar tudo para viajar o mundo ou vender brigadeiro
Yasmin Gomes (Coordenadora de Pesquisa e Conteúdo na Análise Editorial)
Eu acho lindas as histórias da “geração que encontrou o sucesso no pedido de demissão”, mas elas podem gerar um sentimento de depressão muito maior do que de inspiração. Recentemente, um texto da Ruth Manus bombou nas redes sociais. Montes de likes e compartilhamentos para soltar um grito de desespero de quem está infeliz com o que vou chamar aqui de carreira convencional.
Logo no início do texto, a autora já se defende dos que dirão que é muito fácil pedir demissão e mudar totalmente de carreira & estilo de vida quando se tem dinheiro, seja de economia pessoal ou o famoso “paitrocínio”. Ela logo parte para exemplos que não seguem essa linha, diz conhecer pessoas que “venderam o carro, dividem apartamento com mais 3 amigos, abriram mão dos luxos, não ligam de viver com dinheiro contadinho. O que eles não podiam mais aguentar era a infelicidade.”
Ao ler esse trecho em voz alta para meus colegas de trabalho, quase tive cólicas de tanto rir. Só pode ser piada, né!? A média salarial em São Paulo é de R$2.300,00. No Brasil, até o final do ano passado, era pouco mais de R$1.000,00 reais. Em que realidade estão essas pessoas onde “viver com dinheiro contado” e “abrir mão de luxos” são sofrimentos opcionais em detrimento dos seus anseios profissionais?
Outra parte do artigo que tivemos que encarar com muito humor dava o lead de quem encontrou o sucesso pedindo demissão. Foram citadas pessoas que abriram mão de “carrão”, do “cargo fantástico” e até de ser “executiva de grande grupo”. O auge mesmo foi a citação da amiga advogada que jogou tudo para o alto e resolveu voltar a ser estudante e andar de metrô FORA DO PAÍS.
PUTA SOFRIMENTO! Alguém avisa que quase metade dos jovens brasileiros tem que trabalhar para pagar os estudos. Avisa que estágio paga pouco e esses jovens acabam ficando em empregos fora da área de graduação, se formam e ficam pra trás na hora de conseguir entrar no seu mercado.
Não vou nem comentar a suposta bad de ter que dividir apartamento, também citada pela autora, quando a maioria das pessoas que eu conheço não tem dinheiro nem para isso.
A realidade do Brasil não é de quem pede as contas e vai viajar o mundo. Não é de quem “joga tudo pro alto” e vai vender brigadeiro. A gente vive num lugar em que a maioria das pessoas se permite ser explorada porque precisa ganhar nem que seja uma mixaria no fim do mês. O desespero é tanto que, se a gente não aceita condições deploráveis, alguém vai aceitar. Alguém bom e qualificado, aliás.
A melhor mensagem que o texto da Ruth Manus e tantos outros me passam é de que o sucesso não precisa necessariamente vir nos moldes de carreira executiva. Você pode ser uma pessoa realizada construindo uma bela família, plantando uma horta, fazendo voluntariado, tendo o seu próprio negócio de churros gourmet ou o que for. Existe felicidade e realização além do salto alto e da gravata, mas não tem glamour, purpurina ou post check-in pela Europa (sinta-se uma exceção, se tiver).
Para os jovens que vivem a realidade do nosso país, almoçando coxinha e botando na ponta do lápis cada centavo gasto com busão, o pedido de demissão tem que esperar. E se demorar, não tem problema. Temos a vida toda pela frente, temos uns aos outros, a gente se entende... você não é uma porcaria, um acomodado. Fica calmo, tá tudo certo.
Mochilão Social: o negócio é fazer o bem, não fazer bem um negócio.
Viajar é maravilhoso, mas viajar e fazer o bem por onde você passa é melhor ainda. Fazendo um mochilão social pelo continente americano, o casal de publicitários Luma Pinto e Eduardo Melo encontrou e se engajou em projetos sociais de diferentes cidades, com o intuito de deixar uma marca positiva através de pequenas ações.
Viajando ao longo de nove meses, eles passaram por diversas ONGs ajudando como podiam, seja vendendo doces ou fazendo uma vaquinha online. Como resultado, criaram o “Bem Trilhado”, um site em que contam mais sobre a jornada, e futuramente vão lançar o “Mapa do Bem”, um mapeamento das instituições de que participaram, que tem como objetivo incentivar o trabalho voluntário.
A dupla usa suas habilidades em comunicação, marketing e música, desenvolvem atividades educacionais, esportivas, musicais, criativas. Enquanto o documento não fica pronto, você pode conferir abaixo o que eles encontraram no meio do caminho:
1. CENIT – Equador
A ONG focada em educação promove reforço escolar, oficinas de capacitação em corte, costura e confecção de bolsas e postais para mães e pais. O casal registrou fotos e auxiliou na publicidade.
2. Colômbia
Ao longo de três meses, Luma e Eduardo fizeram parte da equipe que montou, ensaiou e executou quatro apresentações do Coro de Natal feito por crianças de um bairro humilde da cidade.
3. Qosqo Maki – Peru
A dupla criou jogos ambientais de tabuleiro para promover o aprendizado em sustentabilidade e recursos renováveis na ONG Qosqo Maki, que auxilia crianças e adolescentes em situação de rua em Cusco.
4. Techo – Panamá
Chamada de Teto aqui no Brasil, a ONG ajuda a construir casas em comunidades com poucos recursos ou em situação de risco. Luma e Eduardo colaboraram da Coleta Anual de Recursos. Além disso, elaboraram as fotos e o modelo do próximo calendário.
5. Instituição Viva Brasil – Estados Unidos
Espalhando a cultura brasileira pela América do Norte, a instituição contou com a ajuda do casal na elaboração de um novo folder promocional, doaram parte das roupas que levaram e ficaram na mesa de argolas da festa de junina promovida pela ONG.
'Mochileiros' largam emprego, ficam sócios e abrem hostel na Lapa, no Rio
Eles deixaram cargos gerenciais em grandes empresas para o negócio.
2ª unidade será lançada até final do ano; mais 2 empresas já foram criadas.
Gabriela Gasparin
Do G1, em São Paulo
Após ficarem hospedados em albergues ao redor do mundo como “mochileiros”, quatro jovens fluminenses enxergaram, em 2011, a oportunidade de abrir o modelo de negócio na badalada região da Lapa, no Rio de Janeiro, e não perderam tempo. No final do mesmo ano inauguraram o Lapa Hostel. Eles deixaram cargos gerenciais em grandes empresas para se dedicar ao negócio, que ganhará uma segunda unidade no segundo semestre e deve ter o faturamento ampliado em 60% neste ano. Além disso, os quatro já lançaram outras duas empresas complementares e há um terceiro projeto saindo do papel.
“Decidimos largar os empregos porque queríamos mudar de estilo de vida. Sempre viajamos pelo mundo como mochileiros ficando em hostels, até que percebemos que não havia, naquele momento [início de 2011], nenhum hostel na Lapa, bairro com grandíssimo potencial turístico e que estava se tornando novamente destaque na cidade do Rio pela reconstrução de sua badalada vida noturna”, relata um dos sócios, o economista Leandro Bezerra, de 30 anos.
De acordo com o empreendedor, a ideia surgiu de um projeto final para um curso de pós-graduação que ele outro sócio cursaram juntos. Ele cita que o bairro – cheio de bares e casas de show – tem recebidos investimentos públicos, que têm resultado na melhora da segurança e na região em geral. “Até os cariocas estão mudando sua visão [do bairro], não só o turista”, diz.
Quem opta por se hospedar na Lapa tem a vantagem de estar na região da vida noturna da cidade, diz. “É uma região muito central, entre o Centro e a Zona Sul (...). O visitante hoje, quando ele vem para o Rio, ele escolhe ficar perto da vida noturna ou ficar perto da praia”, diz.
Além disso, Bezerra e outro sócio chegaram a estudar fora, o que os ajudou a pensar no modelo de negócio, avalia – muitos estrangeiros optam por se hospedar em albergues tanto pelo melhor preço como pelo clima descontraído que o tipo de acomodação proporciona aos viajantes, dando possibilidade a novas amizades.
Os quatro sócios são de Niterói. Bezerra conheceu o economista Eduardo Lannes, de 30 anos, na faculdade. Lannes era amigo do publicitário Edder Gonçalves, também de 30, que, por sua vez, conhecia Mauricio Carvalho, de 33. Os quatro investiram R$ 300 mil na abertura do ponto, sendo que R$ 100 mil eles conseguiram emprestado em um financiamento com recursos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social.
“Em 15 dias, o empreendimento estava em lotação máxima, em seis meses tinha mais de 10 mil seguidores nas redes sociais”, relata. Inicialmente aberto com capacidade para 32 pessoas, no quarto mês de operação os sócios fizeram obras de ampliação para 46 camas (aumento de 44% da capacidade), diz.
Segundo Bezerra, a intenção é sempre trazer novas ideias ao hostel. Para isso, um dos empresários, Eduardo, está em viagem pelos cinco continentes por um ano, como mochileiro, para buscar novas ideias. "Ele está vendo o que o pessoal está fazendo ao redor do mundo, como se fosse um aprofundamento no mercado."
Quando vê algo interessante, Eduardo passa para os demais. "Na Ásia tem bastante coisa, o difícil é a adaptação. Ele estava num albergue que fazia a distribuição gratuita da bebida local mais famosa e a gente adaptou para cá e distribui caipirinhas nos finais de semana, das 21h às 23h. É bom porque o pessoal se integra muito (...), eles se conhecem na atmosfera do albergue."
A própria demanda dos turistas dentro do hostel por passeios na região fez os empresários enxergarem uma nova oportunidade de negócio: foi criada a Lapa Tour, que faz a intermediação com agências de pacotes de turismo (como ida ao Cristo Redentor, ao Pão de Açúcar ou um tour pelas favelas). O número de passeios ao mês subiu de 50 para 250 em menos de um ano. “A gente construiu um cardápio de serviços oferecidos por diferentes empresas”, diz.
Nesse "meio tempo" os sócios também criaram a Linkko Marketing Digital, empresa que atua com divulgação de empresas na internet com foco no Google, Facebook e Youtube. “A gente identificou que a pessoa que estava fazendo nosso trabalho na internet estava trabalhando muito bem, a gente era sempre o primeiro colocado [nas pesquisas em sites de busca na internet]. Gostamos muito do trabalho dele e fizemos uma proposta (...). Hoje já temos outros hostels da cidade em nossa base de clientes", relata Bezerra.