
Língua Portuguesa
O que se ensina, quando se ensina a língua portuguesa?
Adaptado de Luiz Antonio Marcuschi, linguista brasileiro (1946-2016)
Segundo o linguista e filósofo suíço Ferdinand de Saussure (1857-1913), o grande impulsionador da linguística como ciência autônoma, o ponto de vista cria o objeto, ou seja, o ensino de algo é sempre o ensino de uma visão de algo ou de uma relação com algo.
Quando se ensina a língua, ensina-se a norma culta? Ponto de vista normativo, impositivo, político, de manutenção da crença que relaciona domínio normativo a poder social.
Quando se ensina a língua, ensina-se a estudar os diferentes usos da língua que os falantes fazem da língua, em sua realidade? Ponto de vista funcional, sociolinguístico, político (integracionista), descritivo, científico.
Quando se ensina a língua, ensina-se a buscar uma origem universal que explique a língua como um sistema, entendendo as falas particulares como secundárias e menos importantes? Ponto de vista estrutural, biológico-cientificista.
Quando se ensina a língua, interage-se com os diferentes sentidos de texto, com diferentes gêneros e com diferentes atribuições de importância: o que importa ensinar, a gramática? A leitura e a escrita? A língua oral? O domínio de uma variante linguística prestigiada socialmente (norma culta)? Dependendo das respostas, diferentes práticas ensinarão diferentes objetos, com diferentes objetivos. Todas as vertentes serão válidas, mas nenhuma delas sozinha conterá toda a verdade.
O que todos os linguistas e os PCNs (Parâmetros Curriculares Nacionais) consentem é que o ensino de língua deve partir de textos, escritos ou falados. A partir deles, podemos trabalhar diferentes problemas linguísticos:
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Questões do desenvolvimento histórico da língua
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A língua em seu funcionamento autêntico
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Relações entre variantes linguísticas
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Relações entre escrita e fala no uso real da língua
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Funcionamento de categorias gramaticais
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Exploração do vocabulário
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Como os textos produzem sentidos (processos semânticos)
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Intenções e processos pragmáticos
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Estratégias de redação e estilo
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Progressão temática e organização tópica
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Leitura e compreensão de textos
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Treinamento do raciocínio e da argumentação
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Estudo dos gêneros textuais
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Ampliação ou resumo do texto
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Pontuação e ortografia
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Problemas residuais da alfabetização
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Intenções sócio-políticas presentes em diferentes usos do léxico e das estruturas gramaticais
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Preconceito linguístico
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Criticidade e reconhecimento das diferentes visões sobre a língua
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Funções e intenções estilísticas
Qual, então, será o nosso ponto de vista para o ensino da língua portuguesa? Será aquele que trabalhará os textos de modo a permitir desenvolver as habilidades linguísticas dos estudantes para que possam ler e escrever dialeticamente, compreender intenções e questionar valores, escolher as estruturas e léxicos apropriados para suas intenções, navegar com facilidade por diferentes gêneros textuais, ser hábeis em produzir e compreender intertextualidades, saber a norma de prestígio e decidir como e quando segui-la, não reproduzir preconceito linguístico.