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Palavras ainda agem?

Texto 1- Leitura e Discussão recursos semântico-estilísticos do poema, do suporte "jornal" e da importância do leitor como elemento de interação social/produção-realização de sentidos. Sobre o gênero discursivo: o poema x a notícia de jornal.​

Poema tirado de uma notícia de jornal

João Gostoso era carregador de feira-livre e morava no Morro da Babilônia num barracão sem número

Uma noite ele chegou no bar Vinte de Novembro

Bebeu

Cantou

Dançou

Depois se atirou na Lagoa Rodrigo de Freitas e morreu afogado.

Manuel Bandeira (1886-1968), poema publicado no livro Libertinagem (1930)

***Atenção à possibilidade de duplo sentido nos verbos "ele chegou" ("alcançou"? "ele chegou lá" - ex. canção "Meu Guri", possibilidade de referência à consciência negra e busca por libertação do "cativeiro social"), "se atirou" ("se lançou naquela vida"? "se jogou no novo ambiente"?) e "morreu afogado" (foi sufocado pelo ambiente? - "nadou, nadou e morreu na praia"?). Atenção também ao "tirado", que nomeia o poema "tirado" de uma notícia: a notícia não mostraria a vida do João, mas sim um indigente morto na Lagoa. Já o poema foca a vida de João. 

Texto 2 - Slam de Maria Preta: recursos semântico-estilísticos do texto oral, importância da entonação como recurso estilístico, intertextualidades temáticas e lexicais (palavras e sentidos produzidos), os desvios da norma culta e seus sentidos (são aceitáveis? De que pontos de vista? São escolhas estilísticas? São traços de identidade? São adequações ao contexto social de produção e representação?). Sobre o gênero discursivo: o slam x o poema x a notícia de jornal.

Maria Preta (Victoria Maria) - Slam Resistência

 

"Oralidade e escrita são práticas de linguagem que se entrelaçam nas diversas situações discursivas. Um texto nunca pode ser tomado isoladamente, desconsiderando-se a situação social que o engendra e os demais textos com que dialoga (os que o precederam e os que o sucederão)" (GIACHETTI, 2007)

Texto 4Leitura e discussão das crônicas de Eliane Brum: há intertextualidade?  Gênero discursivo crônica (entre o jornal/notícia e o texto literário/poema)

Trecho da crônica 1

"Sheila da Silva desceu o morro do Querosene para comprar três batatas, uma cenoura e pão. Ouviu tiros. Não parou. Apenas seguiu, porque tiros não lhe são estranhos. Sheila da Silva começava a escalar o morro quando os vizinhos a avisaram que uma bala perdida tinha encontrado a cabeça do seu filho e, assim, se tornado uma bala achada. Ela subiu a escadaria correndo, o peito arfando, o ar em falta. Na porta da casa, o corpo do filho coberto por um lençol. Ela ergueu o lençol. Viu o sangue. A mãe mergulhou os dedos e pintou o rosto com o sangue do filho.

cena ocorreu em 10 de junho, no Rio de Janeiro. Com ela , a pietà negra do Brasil atravessou o esvaziamento das palavras. O rosto onde se misturam lágrimas e sangue, documentado pelo fotógrafo Pablo Jacob, da Agência O Globo, foi estampado nos jornais. Por um efêmero instante, que já começa a passar, a morte de um jovem negro e pobre em uma favela carioca virou notícia. Sua mãe fez dela um ato. Não fosse vida, seria arte."

Eliane Brum, nascida em 1966, é escritora, repórter e documentarista brasileira. Site: desacontecimentos.com Email: elianebrum.coluna@gmail.com Twitter: @brumelianebrum/ Facebook: @brumelianebrum

O filho poderia ser João Gostoso? "A morte de um jovem negro e pobre em uma favela carioca virou notícia" - por que virou notícia aqui? Por que virou notícia no poema de Bandeira? O que significa "virar notícia"? Em oposição, o que significa o "silêncio social"? 

Comparação entre o significado de Texto e a ineficácia das palavras na crônica de Brum:

1. Texto é um corpo sociolinguístico destinado ao outro (mesmo que o outro seja o si mesmo). Não há texto sem destinação, que não seja escrito/produzido para ser lido/ouvido/notado. "A destinação de um texto é sua leitura pelo outro, imaginário ou real; (...) um autor isolado, para quem o outro inexista, não produz textos" (GERALDI, 1991, p.101). Dialética.

2."As palavras tornam-se cartas enviadas que jamais chegam ao seu destino. Cartas extraviadas, perdidas. Se o outro é um endereço sempre errado, uma casa já desabitada, não há ouvidos, não há resposta. Num país em que as palavras deixam de dizer, resta o sangue. As palavras que as mães poderiam dizer, as palavras que de fato dizem, não perfuram nenhum tímpano, não ferem nenhum coração, não movem consciência alguma. Diante do corpo morto do filho, a pietà negra precisa vestir o sangue, encarnar, porque as palavras desencarnaram. No Brasil, as palavras são fantasmas." (BRUM, 2017).

Se, na definição de texto, entendemos que o texto só é um texto quando ele é destinado a alguém, quando ele é lido, o que acontece com um texto silenciado, que nunca é lido, ignorado?

Exercício proposto: compare o poema de Bandeira e o slam de Maria Preta. Escreva um resumo de apresentação e conteúdo: QUEM ESCREVE, COMO ESCREVE E QUAIS EFEITOS PRODUZIDOS PELA ESCRITA. Compare os principais pontos tratados nos dois textos. 

-Na escrita, detalhadamente: apresente os títulos do textos, os autores e as fontes onde o texto foi publicado, incluindo o ano. Apresente o modo como os textos foram organizados. No caso do poema: como foram organizados os versos e quais os possíveis sentidos disso. No caso do slam, como foi organizada a fala, como é a linguagem (oral, informal, com desvios de norma ou escrita, formal, sem desvios) e quais os efeitos possíveis dessa linguagem, bem como quais são os principais pontos abordados. Se possível, apresente objetivos gerais e justificativas dos textos (textos artísticos não costumam apresentar "objetivos" óbvios, pois são interpretativos). Elenque os principais pontos de comparação entre os textos.

 

"Modelo" de resumo:

 

O poema Tal, de Fulano de Tal, foi escrito no ano Tal e publicado no livro Tal. Ele é composto por 5 versos. O primeiro verso...; o segundo,...; o terceiro...; o quarto,...; o quinto... A estrutura geral mostra que... Os principais efeitos dela são... A principal questão do texto parece ser... Já o Slam de Fulano de Tal tem uma linguagem.... As principais questões são... Em comparação com o poema, ambos parecem abordar... Diferentemente do poema, o slam... 

Material extra:

Conceito de crônica

Como definir a crônica? A crônica é um gênero intervalar, entre texto jornalístico e texto literário. Ela parte de um fato cotidiano, que pode ser narrado em referência à realidade ou ficcionalizado, para então desenvolver um raciocínio a respeito. Ela mobiliza toda a tipologia textual: narrativa, descritiva, argumentativa, expositiva, dialogal etc. Enquanto o conto tem tradição em Edgar Allan Poe, a crônica tem tradição nos contos orais, como os causos populares do interior do Brasil, em narradores anônimos. Ela pode ser séria, poética, humorística, impregnada de crítica social. Ela pode dialogar com o leitor. Ela traz oralidade à escrita, um "jogar conversa fora" que pode adquirir dimensões mais complexas. É um gênero despretensioso que parte de fatos pequenos ou banais do cotidiano, feita para durar pouco, passageira com o jornal, mas que pode ganhar dimensões líricas e passar a ocupar livros, durando mais do que imaginava. Sua história é a história dos folhetins, rodapés dos jornais destinados ao entretenimento, que passa aos poucos a adquirir reconhecimento. Embora alguns manuais tracem regras de composição da crônica (evitar transformá-la em conto, restringir o tamanho, evitar ficcionalizar etc.), não existem na realidade tais regras como parâmetros de definição do gênero. Há crônicas, por exemplo, inteiramente dialogais. Outras, longas como um conto, ou curtas como um parágrafo. Escrever bem dependerá da escolha e relação traçada com o fato cotidiano, dos recursos estilísticos utilizados para alcançar os efeitos esperados. Consulte a seguinte bibliografia para aprofundar seus conhecimentos sobre a crônica e estudar alguns dos principais cronistas brasileiros: BIBLIOGRAFIA

Leituras sugeridas:

Veja a história das favelas cariocas em quadrinhos: "A voz do morro" - Folha de S.Paulo

Sugestão de intertextualidade: "Meu Deus, Meu Deus, está extinta a escravidão?" - Samba-enredo Paraíso de Tuiuti - especialmente a herança da escravidão, ala "cativeiro social", referência às favelas, e a ala que mostra os inúmeros empregos informais que um só cidadão assume para sobreviver. 

Sugestão de intertextualidade: "Meu Guri", música de Chico Buarque - o guri que nasce sem vida digna, não recebe ajuda social, entra no mundo do crime e só se torna "capa de jornal", recebendo a atenção social, na hora de sua morte. 

Conceitos adicionais:

"Cada enunciação, cada ato de criação individual é único e não reiterável, mas em cada enunciação encontram-se elementos idênticos aos de outras enunciações no seio de um determinado grupo de locutores." (BAKHTIN, 1979)

Texto- Leitura e discussão da teoria: linguagem constituída da interação social (Mikhail Bakhtin (1895-1975), russo, filósofo da linguagem, sociolinguística) x linguagem compreendida como estrutura abstrata e descontextualizada, focada na langue, não na parole (linguista e filósofo suíço Ferdinand de Saussure (1857-1913), estruturalismo). Pedir café nos EUA é o mesmo que pedir café no Brasil? / Gênero discursivo: texto (dissertação) acadêmico

Texto teórico sobre a Linguagem constituída e constitutiva na interação social​

Para [o filósofo da linguagem, russo, Mikhail Bakhtin (1895-1975)], um enunciado relaciona-se com o próprio autor e com os outros parceiros da enunciação. A composição e o estilo são determinados pela necessidade de expressividade do locutor frente ao objeto de seu enunciado; assim, dependendo da apreciação valorativa do locutor com o objeto do discurso, os recursos lexicais, composicionais e gramaticais do enunciado são selecionados. Um dos recursos para a expressão da relação emotivo-volitiva ["volitiva" significa "que se refere à vontade"] do locutor com o objeto do discurso é a entonação, presente também na escrita através do estilo adotado, pois os fatos linguísticos são de natureza social, o que significa afirmar que a enunciação está indissoluvelmente ligada às condições de comunicação, as quais estão ligadas às estruturas sociais.

Então, a escrita é compreendida como linguagem e, como tal, constituída e constitutiva nas práticas de interação social. Oralidade e escrita passam a ser consideradas como práticas de linguagem que se entrelaçam nas diversas situações discursivas. Um texto nunca pode ser tomado isoladamente, desconsiderando-se a situação social que o engendra e os demais textos com que dialoga (os que o precederam e os que o sucederão), pois, na vida, um discurso verbal em si não é autossuficiente. Ele nasce de uma situação extra verbal e, com ela, mantém uma conexão direta, constitutiva de sua significação. (GIACHETTI, 2007)

Proposta adicional: 

- Produção: crie um conto oral curto, verdadeiro ou ficcional, de no máximo 2 minutos, envolvendo o assunto "exclusão social" e a problemática da definição de texto como interação social (um texto só é um texto quando é lido, quando a palavra-carta chega ao leitor) versus o "silêncio social" que se recusa a ler os textos periféricos (as palavras-cartas que nunca chegam ao destinatário), a partir do mote: "a voz do silêncio".

Grupos de até 3 pessoas. Conte com eles, que eles escreverão um "conto com você" (Ref. Prof. Anderson Fávero). Vocês podem narrar histórias individuais ou coletivas, verdadeiras ou ficcionais, trazendo ao gênero "conto" elementos de outros gêneros, que você quiser (relato biográfico, entrevista, slam, poema, reportagem, crônica). O objetivo é discutir esse paradoxo do texto silenciado, relacionando-o à exclusão social, de modo a fazer com que essas palavras-cartas de fato cheguem aos leitores. Apresente o texto à sala (máximo 2 minutos).

Recursos estilísticos que podem ser empregados: com base na reflexão feita em aula, nas análises do poema, do slam e das crônicas, busque recursos estilísticos para produzir os sentidos desejados (citações, entonação, intertextualidades, escolhas lexicais, uso correto ou desviante da norma, movimento/desenho textual, rimas etc.). Explore a entonação e os gestos como recursos estilísticos para atrair os ouvintes e para comunicar melhor os sentidos de seu texto, de modo a produzir o sentido em conjunto com seu ouvinte/leitor (que ele se sinta parte do que você está comunicando, que se deslumbre ou sensibilize com seu texto). Produza intertextualidades (a exemplo da citação da música no início do slam). Escolha bem as palavras e, se for o caso, as rimas, para que ajudem a produzir sentidos de maneira eficiente (como é feito, o modo de fazer) e eficaz (o que é feito, o produto do fazer) . 

Se o seu texto for se adequar à norma culta, use o Guia de Norma Culta para consultar, bem como dicionários (o dicionário Aulete online gratuito é bom) e gramáticas (a gramática de Domingos Cegalla é boa). Se o seu texto for se adequar a variações linguísticas sociais, regionais, históricas ou falas de estrangeiros aprendendo a língua portuguesa, pesquise-as buscando esses falares e informações sobre identidade em vídeos e textos escritos.

Conteúdo programático 

- Conceito de discurso-linguagem-interação social x linguagem como abstração,

- Gêneros discursivos poema, crônica, slam, suportes livro, vídeo, jornal

- Recursos estilísticos para produção de efeitos específicos: entonação, ritmo, rima, desenho/movimento (escrita).

- Desvios de norma culta como escolha estilística, traço de identidade e adequação contextual.

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