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Compreendendo as intenções do curso, avaliemos, em grupos, o seguinte texto publicado no Diário de Pernambuco em 21 de agosto de 1839, trazido por Marcuschi à reflexão:

Furtarão o anelão

No dia 3 do prezente mez, na guarda principal, perdeo-se, ou furtarão do dedo de um dos indivíduos, quando dormia, que estava de guarda no mesmo lugar um anelão de ouro, todo lavrado, e com dous corações unidos dentro do círculo posto no lugar em qáele bota firma: pede se a quem for offerecido que não o compre; pois pretende-se proceder contra a pessoa em cujo se achar. Assegura-se ao Snr. que está deposse do dito anelão, que se o restituir se lhe guardará segredo da graça, ou antes da fraqueza, em que cahio. A pessoa que trocar o referido anelão desta Typ. Receberá 4$rs de gratificação.

 

Nota: 4$rs provavelmente significava 4 mil réis.

 

Questões para discussão

 

1. Qual o gênero discursivo do texto? Um poema, uma música, um conto, um relatório de trabalho, qual é o gênero?

2. Quais os valores sociais dessa cidade nessa época, se pressupormos que o narrador representa os valores de seu contexto?

3. Como interpretar a seguinte frase (seriamente, ironicamente ou comicamente) “Assegura-se ao Snr. que está deposse do dito anelão, que se o restituir se lhe guardará segredo da graça, ou antes da fraqueza, em que cahio.”? O ladrão pode confiar? E o que significa “graça”?

4. Em 1911, Portugal teve sua primeira grande reforma ortográfica. Até então, a ortografia se baseava na etimologia greco-latina. As principais mudanças foram:

  1. Eliminação de todos os dígrafos de origem grega com substituição por grafemas simples: th (substituído por t), ph (substituído por f), ch (com valor de [k], substituído por c ou qu de acordo com o contexto) e rh (substituído por r ou rr de acordo com o contexto);

  2. Eliminação de y (substituído por i);

  3. Redução das consoantes dobradas (ou geminadas) a singelas, com exceção de rr e ss mediais de origem latina, que têm valores específicos em português;

  4. Eliminação de algumas "consoantes mudas" em final de sílaba gráfica, quando não influíam na pronúncia da vogal que as precedia;

  5. Introdução de numerosa acentuação gráfica, nomeadamente nas palavras proparoxítonas.

 

Muitos escritores foram contra a reforma. Alexandre Fontes escreveu o seguinte: “Imaginem esta palavra phase, escripta assim: fase. Não nos parece uma palavra, parece-nos um esqueleto (...) Affligimo-nos extraordinariamente, quando pensamos que haveriamos de ser obrigados a escrever assim! Já Teixeira Pascoaes escreveu o seguinte: “Na palavra lagryma, (...) a forma da y é lacrymal; estabelece (...) a harmonia entre a sua expressão graphica ou plastica e a sua expressão psychologica; substituindo-lhe o y pelo i é offender as regras da Esthetica. Na palavra abysmo, é a forma do y que lhe dá profundidade, escuridão, mysterio... Escrevel-a com i latino é fechar a boca do abysmo, é transformal-o numa superficie banal. Fernando Pessoa escreveu o seguinte: “Não tenho sentimento nenhum politico ou social. Tenho, porém, num sentido, um alto sentimento patriotico. Minha patria é a lingua portugueza. Nada me pesaria que invadissem ou tomassem Portugal, desde que não me incommodassem pessoalmente, Mas odeio, com odio verdadeiro, com o unico odio que sinto, não quem escreve mal portuguez, não quem não sabe syntaxe, não quem escreve em orthographia simplificada, mas a pagina mal escripta, como pessoa propria, a syntaxe errada, como gente em que se bata, a orthographia sem ipsilon, como escarro directo que me enoja independentemente de quem o cuspisse.

 

Com base nesse relato, quais palavras do texto de Pernambuco você julgou, ao ler, estarem completamente erradas, mas que, na verdade, estavam corretas, de acordo com a norma ortográfica vigente na época?

 

6. Por que, no seguinte trecho, demoramos para saber do que se está falando, a não ser que nos lembremos do título da matéria? “No dia 3 do prezente mez, na guarda principal, perdeo-se, ou furtarão do dedo de um dos indivíduos, quando dormia, que estava de guarda no mesmo lugar um anelão de ouro”

7. É comum esse posicionamento do sujeito em nosso cotidiano? (ref. questão anterior) Dê um exemplo.

8. O título é engraçado? Por quê? Como o humor é produzido? Será que foi engraçado na época? Quem teria achado engraçado?

9. Sobre o trecho "posto no lugar em qáele bota firma":

  1. A que se refere a palavra “posto”?

  2. O que significa a expressão “bota firma”?

  3. O que significa e que processo mental levou o narrador a construir a palavra “qáele”? 

10. Procure exemplos de aglutinação (junção de duas ou mais palavras, na escrita, decorrente de uma junção dos sons dessas palavras na fala)

11. A qual pessoa se refere a palavra “pessoa”, no seguinte trecho: “pede se a quem for oferecido que não o compre; pois pretende-se proceder contra a pessoa em cujo se achar.”?  Qual ou quais palavras faltam no trecho para o “em cujo” ficar correto, segundo a norma culta?

12. Procure exemplos de palavras grafadas de maneira diferente de nossa grafia correta atual por conta da influência do som dessas palavras na fala. 

13. Reescreva o texto, adaptando-o para a língua portuguesa contemporânea brasileira, seguindo a norma culta e corrigindo os problemas de grafia, acentuação, pontuação e estrutura.

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