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Início do romance Contra o Dia, de Thomas Pynchon

 

“Agora, reduzir todo o cordame!”

“Ânimo... com jeito... muito bem! Preparar para zarpar!”

“Cidade dos Ventos, lá vamos nós!”

 

Foi em meio a tais exclamações animadas que o aeróstato de hidrogênio chamado de Inconveniência, sua gôndola enfeitada com bandeirolas patrióticas, levando uma tripulação de cinco rapazes pertencentes à célebre agremiação aeronáutica denominada Amigos do Acaso, ascendeu célere no céu matinal e logo foi levado pelo vento sul.

Quando a nave atingiu a altitude de cruzeiro, e todos os acidentes geográficos deixados para trás na terra já haviam se reduzido a dimensões quase microscópicas, Randolph St. Cosmo, o comandante, ordenou: “Forme-se o Destacamento Especial de Voo”, e os rapazes, todos eles envergando seus elegantes uniformes de verão — túnica com listras vermelhas e brancas e calça azul-celeste —, obedeceram com entusiasmo.

Naquele dia, seguiam em direção à cidade de Chicago, onde recentemente fora inaugurada a Feira Mundial de Chicago. Desde que fora dada a ordem, não se falava de outra coisa naquela tripulação empolgada e curiosa que não da célebre “Cidade Branca”, sua enorme roda-gigante, templos alabastrinos do comércio e da indústria, lagoas reluzentes e muitos milhares de maravilhas tais, de natureza tanto científica quanto artística, que lá os aguardavam. (p.9)

 

(...)

 

Enquanto desciam, sobrevoando os Matadouros, o cheiro subia até eles, o cheiro e a zoeira de carne descobrindo sua mortalidadecomo a contraparte escura de alguma ficção diurna que, como parecia cada vez mais provável, eles haviam ido até lá para ajudar a promover. Em algum lugar lá embaixo estava a Cidade Branca prometida pelas brochuras da Feira de Chicago, em algum lugar em meio às chaminés altas sempre a vomitar uma fumaça negra e gordurosa, eflúvios da carnificina incessante, na qual desapareciam os topos dos edifícios das léguas de cidade que se estendiam na direção do vento, como crianças a mergulhar num sono que não traz descanso do dia. Nos Matadouros, os operários que terminavam seus turnos, em sua maioria esmagadora da fé romana, podendo desprender-se da terra e do sangue por alguns segundos preciosos, olhavam para o aeróstato maravilhados, imaginando um destacamento de anjos não necessariamente benignos. (p.16)

(...)

 

Por fim, o veículo deixou-os numa esquina a partir da qual, garantiu o condutor, era apenas uma caminhada rápida até a Feira (...) Ao longe os rapazes divisavam no céu o brilho elétrico da Feira, mas o local onde se encontravam estava imerso em sombra. (...) quem se deslocasse pela avenida central do evento se dava conta de que as atrações mais europeias, civilizadas e... bem, para ser franco, brancas, ficavam mais perto da “Cidade Branca”, e à medida que se afastava dessa Metrópole alabastrina, mais evidentes se tornavam os sinais de escuridão cultural e selvageria. Os rapazes tinham a impressão de estarem atravessando um mundo separado, onde não havia lampiões, de terem transposto algum obscuro limiar e penetrado num mundo com vida econômica, hábitos sociais e códigos próprios, cônscio de que pouco ou nada tinha em comum com a Exposição oficial... (...)

 

“Leões de chácara” armados, recrutados nos quadros da polícia de Chicago, patrulhavam as sombras, inquietos. Uma companhia teatral zulu encenava o massacre das tropas britânicas em Isandhlwana. Pigmeus cantavam hinos cristãos no dialeto pigmeu, (...) índios brasileiros deixavam-se engolir por gigantescas sucuris e depois saíam de dentro delas (...).  (p.27)

 

 

1. Leia e analise a voz narrativa do texto: há mudança no tom (eufórico ou disfórico) narrativo? SIM.

Mostre com trechos/palavras: ver exemplos em verde: eufóricos, e em azul: disfóricos.

2. Quais os efeitos dessa mudança (se houver) no que diz respeito à relação entre ficção, ilusão e realidade histórica? A aparência de ingenuidade, felicidade, leveza, mostra-se ficcional frente a uma realidade histórica dura, violenta, de sangue, subjugação/submissão e de exclusão/escravização (centro da feira x periferia, aparência de civilização transformada em selvageria do conquistador dos "selvagens": britânicos massacraram zulus, pigmeus africanos dialetizando hinos cristãos, índios brasileiros dialetizando a metáfora da deglutição: "depois saíam"...).

Encontre uma referência metalinguística (a história fala da própria história) que possa sustentar a compreensão da ficção como ilusão. Em rosa:  como a contraparte escura de alguma ficção diurna

 

3. Caracterize a tensão entre o centro da “Cidade Branca” (Feira em homenagem ao colonizador Colombo) e a sua periferia, explorando imagens, cores e questões históricas. R: a cidade branca representa o colonizador, explorador, violentador, segregador, detentor do poder e da tecnologia, branco "civilizado". A periferia representa o explorado, colonizado, violentado: zulus, pigmeus africanos, índios brasileiros, não-brancos "selvagens". A crítica mostra o "civilizado" como "selvagem". Imagens "brancas" (alabastrino, brilho, brancas) x "sombras" (sombras, escuridão cultural, selvageria, mundo separado sem lampiões, obscuro limiar).

4. Apresente uma interpretação textual dos trechos que contemple os aspectos acima analisados. O trecho do texto contrasta dois universos distintos: um branco, colonizador, detentor do poder e da tecnologia, do "centro", idealizado pelos personagens centrais, e outro universo segregado e segredado, marginal/periférico, que é "patrulhado", violentado, representando historicamente os "selvagens" escravizados pelos "civilizados", impedidos de acessar o centro. Percebe-se sutilmente, no embate entre realidade idealizada e realidade histórica, que os ingênuos personagens centrais acreditam servirem o "bem", mas estão sendo usados (seu desconhecimento, ignorância e fácil crença) para algo negativo.
 

Referência de texto analítico que aborda essas questões, a partir do qual foi desenvolvida esta atividade: Thomaz Amancio, "A dificuldade pynchoniana da paranoia à entropia" - Dissertação de Mestrado (UNICAMP)

Dados

 

* A Feira Mundial de Chicago, também chamada de Cidade Branca, foi uma exposição em Chicago, em celebração aos 400 anos da chegada de Colombo à América, em 1893 (antes da primeira guerra mundial, que começou em 1914), teve cerca de 200 construções temporárias de arquitetura predominantemente neoclássica, canais e lagoas, pessoas e culturas de 46 países diferentes. Invenções apresentadas: creme de leita, chiclete de frutas, aveia em flocos, máquina de lavar louças, lâmpadas fosforescentes, tinta em spray e a roda-gigante, com quase 80 metros de diâmetro e capacidade para mais de 2 mil pessoas por vez (invenção de George Ferris).

 

* O processo de ocupação territorial, exploração econômica e domínio político da África  por potências europeias tem início no século XV e estende-se até a metade do século XX. Através de trocas com alguns chefes locais, os europeus foram capazes de capturar milhões de africanos e de os exportar para vários pontos do mundo naquilo que ficou conhecido como escravidão. No princípio do século XIX, com a expansão do capitalismo  industrial, começa o neocolonialismo no continente africano. As potências europeias desenvolveram uma "corrida à África" massiva e ocuparam a maior parte do continente, criando muitas colônias. A partilha da África tem início, de fato, com a Conferência de Berlim (1884), que institui normas para a ocupação, onde as potências coloniais negociaram a divisão da África, propuseram para não invadirem áreas ocupadas por outras potências. No início da Primeira Guerra Mundial, 90% das terras já estavam sob domínio da Europa. A partilha é feita de maneira arbitrária, não respeitando as características étnicas e culturais de cada povo, o que contribui para muitos dos conflitos atuais no continente africano, tribos aliadas foram separadas e tribos inimigas foram unidas.

Postagem de Rafael R, alterada para conter erros de concordância verbal. Exercício de aula: assinale os erros, corrija-os e marque a regra de concordância correspondente, quando estiver listada, ou marque “regra zero”, caso se trate de um exemplo comum de concordância sujeito-objeto (vide guia de norma culta), ou marque “início do cap2” caso se trate de uma regra fora do capítulo 1:

Não pude ler “Contra o dia” ainda, pois perdi uma promoção de lançamento (haviam 20% de desconto REGRA7 ("haver" é impessoal, não tem plural neste caso. O correto é HAVIA. Obs: também regra de porcentagem: concorda-se com a palavra "desconto", no singular, não com "20", no plural, pois a porcentagem está especificada). Ainda faltavam (REGRA 9: tanto o verbo ser, quanto os outros verbos concordam com a hora, "uma". O correto é FALTAVA) uma hora e meia para a loja fechar, mas continuei tentando. O vendedor não me deu o desconto. A promoção ainda não têm (CAP2: plural de "ter", "ver", "vir", o correto é TEM) previsão de retorno.

Sei do mito em torno de Thomas Pynchon e acho muito curioso que um dos mais importantes escritores norte-americanos do século XX seja tão cultuado e tão impopular. Precisam-se (REGRA 8, o correto é PRECISA-SE)de muitos esforços para compreender. Veio cerca de mil pensamentos (REGRA2, o correto é VIERAM), mas nenhum foi suficiente. Construiu-se (REGRA 8, o correto é CONSTRUÍRAM-SE) milhões de hipóteses, mas nenhuma deu conta. Existe (REGRA 0: "explicações existem", não se aplica a REGRA 7, pois "existir" não é impessoal, como "haver". O correto é EXISTEM) algumas explicações: os seus livros são herméticos, tem (CAP2: plural de "ter", "ver", "vir". O correto é TÊM) muitas referências obscuras, enredos complexos e repletos de "exercícios" de linguagem.

Sabemos que não é capaz de compreender todas as referências, os leitores (REGRA 0: "os leitores SÃO CAPAZES" - sujeito longe do verbo causa confusão). Pynchon também não é muito dado a aparições públicas, mas ele flerta com o universo pop. Dizem que dublou a si mesmo num episódio dos Simpsons.

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